sábado, 11 de julho de 2009

Bernardo Toro vislumbra um novo mundo em construção


O filósofo e educador colombiano defende que o cuidado, as relações ganha-ganha e o respeito devem transformar as relações humanas e nos levar a uma era mais feminina. A resposta não está na educação, mas, sem ela, nenhuma mudança será possível.


O colombiano Bernardo Toro é filósofo, educador e assessor da Presidência da Fundação AVINA. Ao contrário do que se poderia supor por seu currículo, ele não acredita que a Educação por si só seja a saída para os problemas do mundo, como tantos políticos, especialistas e o próprio senso-comum costumam afirmar.

Toro diz que nossa contradição está no fato de que, ao mesmo tempo em que começamos a nos reconhecer como uma mesma espécie, também criamos todas as condições para o nosso próprio desaparecimento e estamos conscientes – pela primeira vez em nossa história – de que podemos mesmo ser banidos da superfície do planeta.

Para o educador, só poderemos superar este paradoxo com o desenvolvimento de três valores:
- aprender a cuidar,
- a estabelecer relações ‘ganha-ganha’ e
- a respeitar.

“Ou aprendemos a cuidar, ou pereceremos”, diz Toro. Ele afirma que o cuidado é o paradigma central dos novos valores e perpassa não apenas questões emotivas ou relacionadas à espiritualidade, mas também a segurança pública, saúde, comunicação e educação.

O mundo atual também não comporta mais as relações em que apenas um lado ganha. A opinião de Toro é que é possível aumentar a riqueza e a igualdade em termos políticos, econômicos, sociais e culturais. Para isso, deveríamos produzir apenas “bens úteis, que contribuam para a dignidade humana, com alta qualidade e durabilidade, para não desperdiçar energia nem gerar tanto lixo”.

Por respeito, Toro entende “o reconhecimento do outro como um legítimo outro. Não é suficiente tolerar”. Ele diz ainda que, qualquer pretensão de verdade é o que conduz o ser humano à violência e que a hospitalidade é fundamental em um mundo onde 360 milhões de pessoas vivem fora do país onde nasceram. Para Bernardo Toro, está na hora de aprendermos a aproveitar as oportunidades de encontro e aprender a escutar.

Foi exatamente isso o que fizemos: o Planeta Sustentável esteve com ele durante o Fórum Internacional de Comunicação e aproveitou o encontro para ouvir o educador.

Você afirma que o ser humano, lentamente, vem se dando conta de que é uma espécie. Qual a importância disso para as nossas relações e o futuro da humanidade?
Todo problema da espécie humana é um problema de autopercepção como espécie. Historicamente, vivíamos em clãs e um grupo distinto era sempre visto como algo ameaçador. Nos últimos anos, com o aparecimento de aviões que transportam várias pessoas, a diminuição do custo das passagens aéreas, o surgimento do rádio, da televisão, das revistas e da internet, começamos a perceber nossas semelhanças com outros povos.

À medida que assistimos mais e mais programas de TV que mostram, por exemplo, como vivem os Maasai, da África, começamos a comparar a forma de viver deles com a nossa, e percebemos que eles pensam o mesmo, sentem o mesmo e esperam o mesmo da vida.

Quando todos forem capazes de, mesmo sem conhecer o outro, reconhecer que eles são como nós, vamos nos converter em uma espécie. O maior indicador de que um grupo de vertebrados superiores é uma espécie é o fato de não serem capazes de agredir aos congêneres. Ninguém mata conscientemente outro de sua espécie, porque isso é ferir a própria carne. Se ainda nos agredimos e nos matamos, ainda há um caminho muito grande a ser percorrido.

Esse entendimento muda completamente a maneira como nos organizamos...
Muda completamente nossa forma de estar no mundo. Veja a América Latina, temos a mesma colonização, a mesma mestiçagem e é muito difícil ver a diferença de um país a outro. No entanto, não somos capazes de nos constituir como um continente. Fomos formados para não reconhecer o outro e para não querer ser como somos. Temos que apreciar mais a França do que a Bolívia, ou mais os Estados Unidos, a Europa, que o Equador ou o Peru.

O primeiro passo é nos reconhecermos como espécie e, para isso, é preciso respeito e admiração. Assim, todas as cooperações são confiáveis, há fidelidade nas promessas, transparência nas conversas, declarações sinceras e escuta sem preconceitos. Quando uma sociedade é capaz de se escutar, as fronteiras ficam em segundo plano e todos os problemas podem ser solucionados, pois os interesses particulares é que os criam.

Um dos valores que você enumera como fundamentais para a transformação da humanidade é o cuidar. Por que ele é tão importante?
Em 1968, quando Apolo 9 tira a primeira foto da Terra, vista de cima, o ser humano toma consciência de três coisas: que a Terra está sozinha no espaço, não há nada por perto, que não há limites entre um país e outro e que esta é a nossa casa.

Nos anos 1980, 1990, temos notícias de que a nossa casa está queimando. Antes, como não tínhamos a visão do planeta, ele nos parecia grande demais, mas nos demos conta da finitude desta ‘bolinha pequenina no espaço’: a água, o ar, as espécies e a própria Terra são finitos. E queremos que esse finito dure muito tempo ou se renove de alguma maneira, para isso, o cuidado é fundamental. Estamos chegando ao final de uma época em que acreditamos que ganhar, dominar, extrair, consumir e vencer é importante, mas quase ninguém valoriza o cuidado, a preservação e a recuperação.

Pelo que você diz, a tendência do mundo é se tornar mais feminino.
Os grandes valores machistas estão chegando ao fim. À medida que a sociedade se institucionaliza, a força vale menos. No futuro haverá um mundo de mais encontro, ternura, intimidade e cuidado. Chegou a hora de os valores femininos voltarem ao mundo. E quando houver mais reconhecimento desses valores, as mulheres vão formar as próximas gerações de homens com outra lógica, homens que estabeleçam mais vínculos, que sejam mais companheiros e tenham mais tempo para os filhos.

O cuidado sempre existiu, mas era uma virtude feminina. As profissões de cuidado eram para mulheres, por isso se tornou uma virtude doméstica e não pública. Hoje, esse cuidar vai mudar a forma como lidamos com a ciência, com as profissões e, cada vez mais, os projetos futuros serão projetos de cuidado.

A educação pode ser um meio para alcançarmos esse novo contexto?
A educação é necessária, mas não suficiente. É muito perigoso acreditar que a educação por si mesma pode gerar uma mudança e é muito importante saber que nenhuma mudança pode ser feita sem a educação.

Por exemplo, medicina para todos não é algo viável em nenhuma sociedade, mas saúde para todos é possível em qualquer uma. Saúde é um problema de educação e comportamento. Só um país que garante saúde a todos, pode oferecer medicina para quem necessita. Se ensinarmos as quatro milhões de crianças brasileiras que estão, hoje, no Ensino Fundamental, a lavarem as mãos, por exemplo, poderíamos prevenir 80% das doenças infecto-contagiosas no país.

Para os políticos, é muito fácil dizer que vamos mudar o país pela educação e não tomar as decisões necessárias. Sem uma proposta de transformação, a educação não serve para nada, não chega a nenhum lugar. Se não há um projeto ético, político, de educação, de comunicação e de arte, seguindo na mesma direção, é muito difícil mudar a realidade. O que provoca mudança é a forma como vemos o mundo e o sentido que damos às coisas.

De que maneira a escola pode contribuir com essa transformação?
Todos adquirimos os hábitos e os valores dos adultos que nos rodeiam, especialmente quando somos crianças. A escola deve ser um lugar não de “proteção do medo”, mas de “cuidado”, que começa pela linguagem. Pesquisas mostram que sentir-se seguro é um fator de rendimento escolar. A criança precisa sentir que ninguém vai tomar suas coisas, que ninguém vai gritar com ela, que ela não vai ser maltratada ou deixada de lado, que se fizer uma pergunta não será julgada ou criticada. Assim, ela vai entender a mensagem de cuidado e passa a lidar com os livros, o espaço, a comida e as relações de maneira cuidadosa. O cuidado deixa de ser um conceito e se transforma em uma forma de vida.

Esse é um modelo que também pode ser levado para fora dos muros da escola?
O modelo fora da escola é uma sociedade que tenha bons indicadores de desenvolvimento humano, com políticas públicas para que todos tenham educação formal, saúde e transporte de qualidade e boa representatividade. Os países europeus aprenderam muito sobre cuidado, mas nós (da América Latina) ainda temos questões a enfrentar como a violência doméstica, contra as mulheres e contra as crianças, a violência pública por prestígio e fama, a grande exclusão de classes e étnica... Tudo isso são violências.

Fonte: Planeta Sustentável

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